Um texto de Ubiratan Câmara Queiroz
Mais aprendi em uma mesa de bar do que na própria Academia. Tal assertiva é verdadeira, constatada a partir de reiteradas análises empíricas dos campos de conhecimento humano em que me aventurei.
Justifico a proposição, antes que as cruzes e os pregos da autoreferência acadêmica crucifiquem a vulgaridade do meu ébrio proselitismo.
O pouco que aprendi na Academia foi melhorado após leituras de um ou dois superficiais manuais de vanguarda, os mesmos que edificaram a pedante sapiência dos mestres, embora nada sejam além de traduções de pensamentos europeus, em sua maioria.
O âmbito acadêmico motivou, por outro lado, uma restrita, mas valorosa, coleção de amigos, em virtude de sentimentos de estima iniciados pelo acaso físico-temporal da convivência instituída.
Amigos estes capazes de fomentar a mais fértil e ousada interdisciplinaridade, no palco das discussões de uma mesa de bar, onde não mais há a sobreposição física ou hierárquica curricular, pois todos permanecem igual e horizontalmente distribuídos. Há, sim – como diferente não poderia ser – o respeito ao conhecimento alheio, que, ao fim, contribui no crescimento particular, na exata proporção que a ignorância pessoal admite.
No último encontro, sem qualquer presságio, Zorba o Grego se fez presente, a cegueira ensaiada também. Ortega discutiu com Vidal. Questionou-se a veracidade da presença de Amália Rodrigues na Serra da Borborema. Vinicius, o poeta e diplomata, tornou-se profeta, e tome gravata! A fadista ainda o recebeu em um sarau particular em 1970. Marcelo Nova parodiou Sinatra. Criticou-se o laconismo inglês, na mesma proporção em que histórias com outros anfitriões europeus foram enaltecidas, ao som de Take Five. Cake, por sua vez, se saiu melhor do que Gloria Gaynor. Os serviços públicos, a patifaria tupiniquim de toda sorte e o tecnicismo jurídico foram abordados… em algum momento o nível haveria de regredir, afinal.
A própria percepção de tempo foi maculada, talvez pela majoração individual dos níveis etílicos ou, quem sabe, pela qualidade, pura e simples, do aprendizado, que apenas foi obstado pela carência alimentar do dileto felino de um dos interlocutores.
A noite se prolongou agradável e saborosamente… de sorte que a Academia se tornou uma breve e distante lembrança.
Dileto Ubiratan,
Nós, às vezes, alimentamos a alma de boas conversas, boas companhias, um vinhozinho. Pomos Ortega para conversar com Vidal, falamos mal dos espanhóis e ouvimos a defesa deles por Severiano.
Mas, a pequena felina, coitada, só se alimenta de ração. E eu não posso negar-lhe o alimento, Bira.
Vou ficando preocupado, Bira, com a escassez provável dessas tertúlias. Tu, já estás a 130 quilômetros. Rafael vai derreter no sol do sertão cearense, a mais de 500 quilômetros. Severiano vai se recolher à vida rural, para cultivar a tese de doutoramento…
Pois é, caro Andrei.
Além dos alimentos da alma, necessitamos, tal como a felina, de ração, como também de “mordomias” que esta terra nos obriga a nutrir para sobreviver. E isto custa caro, embora poucos possam suportar a onerosidade.
Percorrem-se quilômetros para encontrar a mina da sobrevivência, embora, para nós, ela se encontre nas generosas, porém desproporcionais, tetas da Federação, estejam elas no tórrido sertão cearense ou nos gélidos pampas gaúchos.
Os refúgios tornam-se poucos. Tens a literatura para silenciar os ruídos e clarear as sombras das manhãs. Eu, por outro lado, ainda sou refém do tecnicismo e das traduções jurídicas da moda.
Problema… um grande problema!
A propósito desses revezes de nós viventes, como Dona Glorinha ainda fala, aproveito-me enquanto Brás é tesoureiro e abro as portas de meu pedaço de pastoril bucólico parnasiano, todos os sábados, para todos os que dessa conversa sintam falta, inclusive a gata, encoleirada claro, para que conheça as vaquinhas do pequeno sítio e não passe fome.
E quando os níveis etílicos já não deixarem margem a continuação dos trabalhos, pois tambem estão convidados a se recolher, em redes ou camas de alvenaria, as primeiras que encontrarem na frente!
Então é portas abertas e chame, chame, chame, chame gente, que a gente se completa enchendo de alegria a praça e o poeta…
Precisamos do endereço e de saber como se chega a esse tal refúgio parnasiano.
Semana que vem… quem sabe?
Lápis e papel em mãos para as coordenadas!
Saudades de desfrutar da companhia dos amigos nas infindáveis noites campinagrandenses…
😀
Nosso amigo Presunto foi muito lembrado na última oportunidade.
Bonito mesmo foi conferir Severiano gesticulando o reencontro dos amigos de quarto em Salamanca, ao som de Roberto Carlos. Claro!
Forte abraço, Presunto!
Eita, danosse, que eu fiquei invejoso que só a gota, agora… Eu, que moro ainda mais longe, em Recife, e nunca tive a oportunidade de conhecer esses interlocutores todos, pessoalmente, hei de me contentar com a servidão da tecnologia e das virtualidades.
Quem sabe um dia, quem sabe um dia…
8)
Ubiratan, muito bom o texto. Assino em baixo do quanto disseste sobre os aprendizados em mesas de bar. Sempre trouxe na minha cachola esta mesmíssima ideia.
Abraço!
André,
Se Severiano dissesse onde se esconde hoje, quem sabe não teríamos a oportunidade de por os bêbados e os equilibristas para conversarem.
Mas, se ele for explicar como se chega ao refúgio pastoril bucólico parnasiano vai ter um prefácio maior que o mapa!
Thiago, meu caro, cuidado com as nostalgias! E não ponhas Roberto Carlos para tocar. É melhor ter raiva de Vevel presente que ouvir essas músicas só. Saravá e um grande abraço, querido.
Caro André, agradeço as gentis palavras.
Realmente, mesa de bar pode ser um fértil e interessante reduto de aprendizado. Entretenimento puro, certamente!
Um dia, Raboni, quem sabe um dia…
Abraço
Bira,
Escrevo só para mostrar para os outros algo que você muito bem sabe: concordo totalmente com você! Você tão quanto eu sabe do nosso crescimento mútuo ao longo da faculdade, não exatamente por ela, mas pela oportunidade do convívio em mesa de bar que elas nos proporcionou.
A Academia me acrescentou um diploma; a mesa de bar, com meus amigos, ensinou-me a pensar… Saudades…