Encontrei um conhecido que esteve cursando um mestrado em Santiago de Compostela. Estava repleto de estórias para contar, é claro. Uma delas, achei-a engraçada e reveladora do que chamo a mentalidade do reizinho de província. Trata-se da atitude mental de quem não sai de dentro de si, de suas convicções, de seu meio social, e de suas circunstância, embora esteja em outro ambiente.
Entre os mil e um relatos de farras, interessou-me o episódio do fulano que é juiz, no Brasil. Trata-se de um colega de mestrado desse meu conhecido, que transplantou-se inteiro para Compostela, ou seja, não somente a pessoa e o estudante, mas o juiz.
Contou-me que um dia qualquer, anunciava-se uma festa à noite, com gente de várias nacionalidades. Entre as potenciais participantes do convescote, estavam três jovens de aparência nórdica, altas, loiras e falantes de um inglês razoável. Eram turistas, não estudantes. Meu conhecido pôs-se a falar com elas, no seu inglês suficiente para essas comunicações meio superficiais.
Então, o juiz chega junto ao grupo, ansioso e querendo comunicar-se, mas impossibilitado pelo desconhecimento de qualquer coisa que não fosse português e aquilo que ele supunha ser castelhano. Inquieto, vira-se para o colega brasileiro de mestrado e diz: diz a elas que eu sou juiz…
O indivíduo que me contou isso disse-me que esperava quase tudo, ou seja, que o juiz pedisse para ele convidar as garotas, pedisse para dizer que pagava um caminhão de bebidas para elas, ou qualquer coisa no gênero. Mas, diz a elas que eu sou juiz, assim, simplesmente, era desconcertante. Era, enfim, tolo demais para ser dito.
Perguntei se ele tinha traduzido para as turistas a identificação juizal do colega. Claro que não e fiz um favor para ele não dizendo. Não é que chegasse a ser propriamente ridículo – disse ele – mas era absolutamente despropositado, sem sentido. Imagine – continuou – eu estou conversando com três meninas, querendo chamar para uma festa e de repente eu digo olha, o fulano aqui ao lado tá dizendo que é juiz. Iam ficar com uma cara de e daí e iam pensar que éramos loucos ou imbecis.
Depois dessa estória fiquei mais certo de que o hermetismo é uma força psico-social muito intensa. É necessário ser muito vigilante consigo próprio para não sair afirmando suas circunstâncias próprias, como maneira de achar-se seguro e tentar destacar-se. O juiz do episódio compostelano, por exemplo, era tão hermético e limitado intelectualmente que não lhe passou pela cabeça que a circunstância do cargo que exerce é totalmente irrelevante na enorme maioria das situações que viveria em Espanha.
Estes fatos, sao puras realidades e muito comuns.
Devemos, acima de tudo, primeiro compreender e entender que estes comportamentos nao sao coisas anormais e sim muito normais e esperados, ou seja, estas pessoas, apesar de terem muito conhecimento processados sao os verdadeiros frutos da racionalidade dominante(alienante, portanto) – em todos os aspectos.
A partir desta acertiva o que nos resta – para nos, que nos dizemos nao alienados, tentar mostrar(sem ter pena e nem raiva de dito cujo causídico emeritado) o outro lado da outra racionalidade que entendemos nao ser alienante. E assim sera, quem, sabe num outro momento o papo nao seja outro…que bom..que assim, possamos ir desconstruindo estas “desconformidades” socioeconomicacomportamenaisculturais…etc. chega.
Monte,
Essas pessoas, penso eu, têm muito conhencimento técnico acumulado, mas pouco conhecimento geral.
Aí, ficam aprisionadas na lógica de se atribuirem muita importância social e acham que o mundo restringe-se às suas condicionantes imediatas.
Na nossa província essas estórias são frequentes e infelizmente talvez o tal juiz se desse bem. Claro, se não tivesse uma pessoa de bom senso do lado como é o caso desse seu amigo. Recentemente, um parente meu que é A.R.F. e atua na aduana no aeroporto relatou essa pérola: um magistrado chegou do exterior e se recusou a abrir a mala sob a alegação de que era um juiz. Deu-se o redolero e o Auditor calmamente replicou: mas o senhor que conhece bem as leis devia ser o primeiro a defendê-las… pronto, o meretríssimo, ops meritíssimo abriu a mala preta do judiciário kkkkkkkkkkk. É bronca.
Domingos,
Terrível, nesses episódios, é ficar evidente que os sujeitos, na maioria dos casos, não têm um pingo de autocrítica. Estão plenamente convencidos de que fazem as coisas mais normais do mundo!
Em outros casos, contrariamente, creio que há uma tênue percepção da própria falta de cultura, de serem criaturas extremamente desinteressantes, e por isso criam a própria importância, calcada em autoridade.
Não posso falar do que não conheço, mas se o episódio tivesse ocorrido aqui em Salamanca, e o seu amigo tivesse dito às moças o que o juizinho aih queria, ele ia passar uma vergonha IMENSA!
Aqui, ao que me parece, essa questão é bem diferente do Brasil. O filho do padeiro vai ser padeiro, o filho do agricultor vai ser agricultor. E eles frequentam a mesma escola do filho do juiz. Ninguém se acha pior do que ninguém por escolher uma profissão que não careça de curso universitário.