O almoço, de Jean-Baptiste Debret
Apenas 10% da população brasileira ganha mais de cinco salários mínimos por mês. Ou seja, mais que R$ 2.500,00, algo em torno de € 900,00. A concentração de rendas é brutal, a maior do continente americano, tomando-se em conta os países com estatísticas minimamente confiáveis.
Nos últimos anos, esses níveis de concentração reduziram-se um pouco, o suficiente para que classes afastadas do consumo se entregassem a ele, sofregamente, adquirindo uma série de objetos a crédito. Isso satisfaz a vendedores e compradores, diminui os efeitos das crises financeiras no Brasil e cria fantasmas para certas porções das classes mais elevadas. Têm medo, como tinham-no os chefes do catolicismo formal diante de qualquer manifestação de religiosidade mística popular.
Os créditos da pouca redução de desigualdades verificada recentemente são dos dois governos sucessivos do Presidente Lula. Isso não é uma opinião e não vou aqui alinhar tábuas de números e gráficos a demonstra-lo. Acho que foi muito pouco, mas sempre melhor que nada. Há muito mais desigualdade a se reduzir, para além das simplesmente econômicas.
Não é demais lembrar que as desigualdades sociais brasileiras são nitidamente desproporcionais às desigualdades de aptidões que podem existir, potencial e faticamente, entre as pessoas. Desigual, na raiz, é a herança, ou seja, a inércia do conservantismo. O legado da dominação, esse é bastante desigual.
Por conta de algumas políticas que não passam do que se estabeleceu como absolutamente normal em muitos países – um mínimo de garantias estatais – o atual Presidente é alvo do ódio de uma parcela minoritária dos brasileiros que, com ele, perderam apenas o que deixaram de ganhar em demasia. Alguns, nem deixaram de ganhar, mas são devotos cegos de uma religião fermentada em ignorância vastíssima.
Movem-lhe uma guerra santa, servidos pela imprensa tradicional. Na etapa presente, agarram-se à defesa de princípios que não foram violados por quem acusam desse crime. Sua defesa apaixonada de uma probidade nunca praticada é comovente. Do apreço pela democracia fazem uma profissão de fé, da fé daqueles que caiam sepulcros. Nunca levaram muito a sério, nem a probidade, nem a democracia, mas há que se ter um discurso, por mais falso e oportunista que seja este.
Perdem a razão à medida que entram no labirinto do fanatismo e da agressão. São náufragos de uma embarcação que encalhou à beira da praia. Afogam-se com água nos joelhos. Não conhecem ou esquecem do Príncipe de Salina, não entendem que dói menos retirar um anel a ter um dedo retirado. Decaíram, perderam até o mérito de ser dominador, mérito da habilidade de enganar o dominado.
Perdida a sutileza, fala-se apenas para si. Então, a única saída política possível é o golpe, que será tentado, afinal se o saque é vantajoso, qualquer meio é lícito.
Muito bom o texto. Presumo ser de Andrei. Cairia bem no Acerto de Contas (poderia reproduzi-lo?).
Andrei (se o texto for mesmo teu), esse final trágico-melancólico do golpe tem a ver com aquele e-mail do “alerta vermelho” que to mandei, ou refere-se mesmo ao golpismo mediático?
Forte abraço!
André,
O texto é meu, mas esqueço de por meu nome ao final, como veem fazendo Olívia e Severiano.
A coisa tem a ver com a mensagem que me mandaste, sim. O final do texto, mais exatamente.
Aquilo é um manifesto à vileza, à mesquinharia e à ignorância. A matriz fascista é bem visível na esforço dos médios serviçais em dizer aos patrões: deem-nos fósforos e gasolina que nós acendemos as fogueiras em nome da purificação.
Se quiseres, André, publica-o no Acerto de Contas.