A dívida, ou as dívidas, é apenas um detalhe. Elas vão evaporar-se, com euro ou sem euro. A questão é o que virá depois, que extremismo vai ser triunfante na Europa que pensou na União como superação da história sem sua digestão.
Entre 1920 e 1935 José Ortega y Gasset – a mente mais clara que o continente viu no século passado – escreveu artigos que se reuniram em um volume chamado A rebelião das massas. O homem viveu os momentos antecedentes ao fascismo e ao bolchevismo, uma guerra européia imensa, a crise financeira avassaladora. Ele pensava e fazia-o a partir da história. Era um liberal, o que é imensamente claro para quem não tomar essa palavra pelo nada que hoje significa.
É relativamente difícil compreender o que passou e é muito mais difícil imaginar o que se passará. Essa dificuldade aumenta com o desconhecimento e a desconsideração da história. Não se trata de viver a apontar datas, como os tolos acusam a percepção histórica, nem de achar que o porvir repete o passado, trata-se de conhecer o que houve para fazer diferentemente ou fazer o mesmo sabendo-o.
A segunda guerra destruiu temporariamente a figura terrível que dominava a cena européia, o menino satisfeito, ou senhorzinho satisfeito – o termo vai depender da tradução. Esse tipo humano foi magistralmente apresentado por Ortega y Gasset. É a figura humana, independentemente do estrato social a que pertença, que vive como se a vida não tivesse tensões reais. Não devo evitar a citação:
Se, atendendo aos efeitos de vida pública, se estuda a estrutura psicológica desse novo tipo de homem-massa, encontra-se o seguinte: primeiro, uma impressão nativa e radical de que a vida é fácil, sobrada, sem limitações trágicas; portanto, cada indivíduo médio encontra em si uma sensação de domínio e triunfo que, segundo, o convida a afirmar-se a si mesmo tal qual é, a dar por bom e completo o seu haver moral e intelectual. Este contentamento consigo próprio leva-o a fechar-se a qualquer instância exterior, a não ouvir, a não pôr em causa as suas opiniões e a não contar com os outros. A sua sensação íntima de domínio incentiva-o constantemente a exercer o predomínio. Actuará, pois, como se no mundo só existissem ele e os seus congéneres: portanto, terceiro, intervirá em tudo impondo a sua opinião vulgar, sem consideração, contemplação, trâmites ou reservas, quer dizer, segundo um regime de acção directa.”
Assim agem novamente os europeus? Parece-me que sim e que assumiram o patético de não acreditar em limitações trágicas, ao tempo que em confundem drama com tragédia. As tensões cotidianas de uma mais ou menos justa divisão das riquezas converteu-se em todo o âmbito de preocupação de quem, no fundo, achava-se bem instalado em alguma riqueza. Aconteciam coisas em torno, mas, no fundo, não se tomaram a sério e acreditou-se na suficiência do havia e no curso imutável da história.
Essa gente não está apenas nos bairros sociais, está nas direções de bancos e de governos. Será necessária mais uma guerra para, novamente, pôr fora da cena esse tipo? Pode ser uma solução, mas agora seria solução reducionista, pois uma tal guerra não seria mundial, pois o menino satisfeito vive em âmbito rico, mas não manda no mundo. Portanto, sua catarse seria pouco, seria só sua.
Pode ser a ocasião em que o futuro europeu não dependa de uma guerra, não porque as guerras sejam necessariamente meios ruins de fazer-se a história, mas porque hoje o restante do mundo não se envolveria nisso. Ou seja, ela, a guerra, seria evidência de perda de proeminência e resultaria naquilo que o senso-comum imputa às guerras: somente retrocesso.
A única maneira da Europa sair do impasse é clássica, embora cada época tenha seu meio de operação: é ter o ambiente que favoreça a técnica, o que não se confunde com aquele em que todos compram seus resultados enquanto a desconhecem e a desprezam. E o antecedente desse ambiente em que viceja a técnica – e a produção da riqueza – é o domínio social do tipo contrário ao menino satisfeito.
O tipo social contrário ao menino satisfeito conhece a história, não para propor sua repetição, e sabe que não existe avanço fácil. Sabe que não se basta intelectual e moralmente e que as facilidades que tem ao seu redor não são frutos de geração natural, mas de esforços muito longos. E, principalmente, não aposta no jogo de encenação política que oferece alguma mágica azul ou vermelha, visando a que tudo permaneça do mesmo jeito sem que tudo mude.
Oi. É o Décio.
Temos algo a trasmitir ( modelo simplificado de sistema econômico -….. dá lugar a uma conversão da famosa tese de Ortega: “Eu, sou eu e minha circunstância”).
Aguardamos a sua visita.
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