Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: julho 2011 (Page 4 of 4)

Bulerias, por Camarón de la Isla e Paco de Lucia.

Este lindo cante não é a palo seco. É cante com guitarra, e que guitarra! É molhado, diria, em oposição ao de pedra que atraia João Cabral, homem que serviu em Sevilha vários anos, como diplomata, e encantou-se por ela. É curiosa essa atração cabralina por Sevilha, pelas pedras, pela secura, pelo sol. Deixa a pensar a atração do maior poeta brasileiro.

A palo seco, de João Cabral de Melo.

1.1.
Se diz a palo seco
o cante sem guitarra;
o cante sem; o cante;
o cante sem mais nada;
se diz a palo seco
a esse cante despido:
ao cante que se canta
sob o silêncio a pino.
1.2.
O cante a palo seco
é o cante mais só:
é cantar num deserto
devassado de sol;
é o mesmo que cantar
num deserto sem sombra
em que a voz só dispõe
do que ela mesma ponha.
1.3.
O cante a palo seco
é um cante desarmado:
só a lâmina da voz
sem a arma do braço;
que o cante a palo seco
sem tempero ou ajuda
tem de abrir o silêncio
com sua chama nua.
1.4.
O cante a palo seco
não é um cante a esmo:
exige ser cantado
com todo o ser aberto;
é um cante que exige
o ser-se ao meio-dia,
que é quando a sombra foge
e não medra a magia.
2.1.
O silêncio é um metal
de epiderme gelada,
sempre incapaz das ondas
imediatas da água;
A pele do silêncio
pouca coisa arrepia:
o cante a palo seco
de diamante precisa.
2.2.
Ou o silêncio é pesado,
é um líquido denso,
que jamais colabora
nem ajuda com ecos;
mais bem, esmaga o cante
e afoga-o, se indefeso:
a palo seco é um cante
submarino ao silêncio.
2.3.
Ou o silêncio é levíssimo,
é líquido e sutil
que se ecoa nas frestas
que no cante sentiu;
o silêncio paciente
vagaroso se infiltra,
apodrecendo o cante
de dentro, pela espinha.
2.4.
Ou o silêncio é uma tela
que difícil se rasga
e que quando se rasga
não demora rasgada;
quando a voz cessa, a tela
se apressa em se emendar:
tela que fosse de água,
ou como tela de ar.
3.1.
A palo seco é o cante
de todos mais lacônico,
mesmo quando pareça
estirar-se um quilômetro:
enfrentar o silêncio
assim despido e pouco
tem de forçosamente
deixar mais curto o fôlego.
3.2.
A palo seco é o cante
de grito mais extremo:
tem de subir mais alto
que onde sobe o silêncio;
é cantar contra a queda,
é um cante para cima,
em que se há de subir
cortando, e contra a fibra.
3.3.
A palo seco é o cante
de caminhar mais lento:
por ser a contra-pelo,
por ser a contra-vento;
é cante que caminha
com passo paciente:
o vento do silêncio
tem a fibra de dente.
3.4.
A palo seco é o cante
que mostra mais soberba;
e que não se oferece:
que se toma ou se deixa;
cante que não se enfeita,
que tanto se lhe dá;
é cante que não canta,
cante que aí está.
4.1.
A palo seco canta
o pássaro sem bosque,
por exemplo: pousado
sobre um fio de cobre;
a palo seco canta
ainda melhor esse fio
quando sem qualquer pássaro
dá o seu assovio.
4.2.
A palo seco cantam
a bigorna e o martelo,
o ferro sobre a pedra
o ferro contra o ferro;
a palo seco canta
aquele outro ferreiro:
o pássaro araponga
que inventa o próprio ferro.
4.3.
A palo seco existem
situações e objetos:
Graciliano Ramos,
desenho de arquiteto,
as paredes caiadas,
a elegância dos pregos,
a cidade de Córdoba,
o arame dos insetos.
4.4
Eis uns poucos exemplos
de ser a palo seco,
dos quais se retirar
higiene ou conselho:
não o de aceitar o seco
por resignadamente,
mas de empregar o seco
porque é mais contundente.

O Brasil não é um país sério: racismo na Universidade Federal do Maranhão.

Vem a tona um caso paradigmático do que é a mentalidade da classe dominante brasileira. O caso particular chega a ser caricatural, pelas circunstâncias que o envolvem, destacadamente por ter sucedido no Estado do Maranhão, que ocupa a pior posição na lista de IDH – índice de desenvolvimento humano dos Estados brasileiros. O IDH do país é baixíssimo, o do Maranhão é revelador da ante-sala do inferno. Mais adiante ficará evidente a razão dessa menção ao IDH.

O caso é que um africano, nigeriano, preto, é aluno do curso de Engenharia Química na Universidade Federal do Maranhão. Ele vem sendo vítima do crime de racismo, praticado pelo professor Cloves Saraiva, que, segundo noticiado nos links que estão ao final, agride o aluno constantemente. Pergunta-lhe por que não volta para a África, que aqui somos civilizados, diz que deve clarear sua cor, faz piada com a sonoridade do nome do aluno, relacionando-a com o vulgar no cú.

É um retrato sem retoques do baixíssimo nível da figura média componente das classes dominantes brasileiras. Um professor universitário de engenharia química presta-se a fazer anedotas vulgares com a sonoridade de um nome próprio em outra língua! Esse bárbaro oferece-se ao ridículo abertamente ao dizer que o aluno volte para a África, pois que aqui somos civilizados. Civilizados!

O professor do Maranhão, esse grande civilizado, acha-se na civilização. Vou dar uma pequena idéia da civilização em que ele insere-se. Em 2005, o IDH do Maranhão era de 0,683, comparável, em termos mundiais, ao Gabão, curiosamente situado na África e, até onde se sabe, raramente utilizado como parâmetro de civilização, nos termos em que o professor usa o conceito.

Ainda segundo os dados de 2005, o IDH – Educação do Maranhão é de 0,784, comparável, em termos mundiais, a São Tomé e Príncipe.

Vamos adiante: o IDH – Renda do Maranhão era, em 2005, de 0,57, comparável, em termos mundiais, ao Vietnã!

Em termos de esperança de vida, o índice de longevidade do civilizado Maranhão é de 0,696, em dados de 2005, sempre. Comparável ao Uzbequistão.

Esse primor civilizacional foi produzido por uma classe dominante de que é honroso representante o professor racista! O produto revela o nível de seus produtores, evidentemente.

Professor no Maranhão é acusado de racismo contra africano

Crime de Racismo na UFMA

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