Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: março 2010 (Page 3 of 6)

Saúde para pobres no Brasil. Tribunal determina que Estado deve custear remédios e tratamentos caros.

O Supremo Tribunal Federal decidiu que cabe ao estado brasileiro custear tratamentos e medicamentos de elevado custo, sempre que não estejam disponíveis como procedimentos rotineiros, para todos os utentes do serviço. Mais precisamente, o tribunal estabeleceu que o poder judicial pode determinar ao administrador o fornecimento de tais prestações, sem que isso signifique alguma violação da lei ou da separação dos poderes do estado.

É uma decisão muito bem vinda, essa. Primeiro, reforça um princípio básico da saúde pública no Brasil, a universalidade. Segundo, diminui a pressão que recai sobre todos para que paguem por saúde privada, ainda que isso seja extremamente pesado nos orçamentos das pessoas mais pobres.

Em terceiro lugar, por conta do acréscimo de despesas, obriga o poder central, ou seja, o governo federal, a ser mais diligente na fiscalização das verbas que repassa a estados federados e municípios. Na verdade, o sistema único de saúde, o SUS, é praticamente custeado pelo governo federal, embora sua gestão seja descentralizada. Por isso, verificam-se imensos absurdos e desvios nas extremidades do sistema.

Vários municípios brasileiros utilizam os recursos destinados especificamente à saúde para outras despesas e atuações, o que é simplesmente inconstitucional. Além, é claro, de submeter as populações mais pobres a sacrifícios maiores que os habitualmente enfrentados. Então, vendo-se obrigado a custear tratamentos e medicamentos caros, por ordem judicial, o poder público, nomeadamente o governo central, tenderá a fechar o cerco sobre os inúmeros casos de má utilização e desvios desses dinheiros.

Uma mesa de bar e a Academia.

Um texto de Ubiratan Câmara Queiroz

Mais aprendi em uma mesa de bar do que na própria Academia. Tal assertiva é verdadeira, constatada a partir de reiteradas análises empíricas dos campos de conhecimento humano em que me aventurei.

Justifico a proposição, antes que as cruzes e os pregos da autoreferência acadêmica crucifiquem a vulgaridade do meu ébrio proselitismo.

O pouco que aprendi na Academia foi melhorado após leituras de um ou dois superficiais manuais de vanguarda, os mesmos que edificaram a pedante sapiência dos mestres, embora nada sejam além de traduções de pensamentos europeus, em sua maioria.

O âmbito acadêmico motivou, por outro lado, uma restrita, mas valorosa, coleção de amigos, em virtude de sentimentos de estima iniciados pelo acaso físico-temporal da convivência instituída.

Amigos estes capazes de fomentar a mais fértil e ousada interdisciplinaridade, no palco das discussões de uma mesa de bar, onde não mais há a sobreposição física ou hierárquica curricular, pois todos permanecem igual e horizontalmente distribuídos. Há, sim – como diferente não poderia ser – o respeito ao conhecimento alheio, que, ao fim, contribui no crescimento particular, na exata proporção que a ignorância pessoal admite.

No último encontro, sem qualquer presságio, Zorba o Grego se fez presente, a cegueira ensaiada também. Ortega discutiu com Vidal. Questionou-se a veracidade da presença de Amália Rodrigues na Serra da Borborema. Vinicius, o poeta e diplomata, tornou-se profeta, e tome gravata! A fadista ainda o recebeu em um sarau particular em 1970. Marcelo Nova parodiou Sinatra. Criticou-se o laconismo inglês, na mesma proporção em que histórias com outros anfitriões europeus foram enaltecidas, ao som de Take Five. Cake, por sua vez, se saiu melhor do que Gloria Gaynor. Os serviços públicos, a patifaria tupiniquim de toda sorte e o tecnicismo jurídico foram abordados… em algum momento o nível haveria de regredir, afinal.

A própria percepção de tempo foi maculada, talvez pela majoração individual dos níveis etílicos ou, quem sabe, pela qualidade, pura e simples, do aprendizado, que apenas foi obstado pela carência alimentar do dileto felino de um dos interlocutores.

A noite se prolongou agradável e saborosamente… de sorte que a Academia se tornou uma breve e distante lembrança.

Lula e Fernando Henrique. Uma comparação de governos.

O final do segundo mandato do Presidente Lula aproxima-se. Neste ano de 2010 realizam-se eleições presidenciais, em outubro, escolhendo-se o presidente que assumirá o cargo em janeiro de 2011. Dois candidatos com reais possibilidades apresentaram-se: Dilma Roussef é a candidata do atual Presidente; José Serra é o indicado do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso. O Presidente Fernando Henrique governou de 1994 a 2002 e o Presidente Lula terá governado de 2002 até 2010.

Lula tem aprovação popular, aferida em pesquisas, à volta de 70%. Ele é mais bem avaliado nas classes mais baixas, todavia conta com níveis elevados -mais que 50% – em todas as camadas sociais. Esta popularidade é maior nas regiões mais pobres do Brasil – Nordeste e Norte – o que não significa que seja baixa nas outras regiões. Contrariamente ao que tenta a maioria da imprensa dizer, ele tem níveis elevados de aprovação nas regiões menos pobres – Sul, Sudeste e Centro-Oeste. As diferenças são, na verdade, pequenas.

As coisas mais temidas geralmente são as mais escondidas e negadas. Um político muito popular é, sim, capaz de influenciar uma eleição, apontando e pedindo votos para o candidato por ele apoiado. Exatamente por isso, o grupo político liderado pelo ex-Presidente Fernando Henrique esforça-se para convencer as pessoas que o apoio ao Lula não se transferirá à candidata Roussef. Ou seja, este grupo evidencia de quê tem medo: da comparação entre governos.

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Jó 13, 7-9.

Farto-me de jesuítas e reformados, na mesma proporção. Medo, esse tenho mais dos últimos, por circunstâncias históricas. Mas, se vivesse há seiscentos anos atrás, tê-lo-ia mais dos primeiros.  Mentem e matam, uns mais, outros menos, conforme as possibilidades das épocas, apenas isso.

Vivem com os pezinhos bem plantados no chão, os olhos bem abertos a mirar a bolsa e as bocas cheias de Deus prá lá, Deus prá cá. Não discuto como se formou esse Deus, a quem revelou seus segredos e desígnios, se se satisfaz com pombos assados ou com palavras. O que dele se diz basta para perceber quem são os que dele falam. Ora, o acelerador de partículas da fronteira franco-suíça não é o acusador dessa gente. São-no seus próprios textos.

Pensais defender a Deus com linguagem iníqua

e com mentiras?

Quereis tomar o seu partido

e ser seus advogados?

Que tal se ele vos examinasse?

Iríeis enganá-lo como se engana um homem?

Se Ele existir, se mortos, os homens forem ao Seu encontro, vão mentir para Ele? Vão dizer que acenderam velas e cantaram louvores? Não perceberão que a brincadeira terá acabado?

Vou-me embora pra Pasárgada, de Manuel Bandeira.

A infância e os sítios dela deviam ser tempo e locais de sonho para um grande poeta que a tuberculose destruía lentamente.

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Diz a elas que eu sou juiz…

Encontrei um conhecido que esteve cursando um mestrado em Santiago de Compostela. Estava repleto de estórias para contar, é claro. Uma delas, achei-a engraçada e reveladora do que chamo a mentalidade do reizinho de província. Trata-se da atitude mental de quem não sai de dentro de si, de suas convicções, de seu meio social, e de suas circunstância, embora esteja em outro ambiente.

Entre os mil e um relatos de farras, interessou-me o episódio do fulano que é juiz, no Brasil. Trata-se de um colega de mestrado desse meu conhecido, que transplantou-se inteiro para Compostela, ou seja, não somente a pessoa e o estudante, mas o juiz.

Contou-me que um dia qualquer, anunciava-se uma festa à noite, com gente de várias nacionalidades. Entre as potenciais participantes do convescote, estavam três jovens de aparência nórdica, altas, loiras e falantes de um inglês razoável. Eram turistas, não estudantes. Meu conhecido pôs-se a falar com elas, no seu inglês suficiente para essas comunicações meio superficiais.

Então, o juiz chega junto ao grupo, ansioso e querendo comunicar-se, mas impossibilitado pelo desconhecimento de qualquer coisa que não fosse português e aquilo que ele supunha ser castelhano. Inquieto, vira-se para o colega brasileiro de mestrado e diz: diz a elas que eu sou juiz…

O indivíduo que me contou isso disse-me que esperava quase tudo, ou seja, que o juiz pedisse para ele convidar as garotas, pedisse para dizer que pagava um caminhão de bebidas para elas, ou qualquer coisa no gênero. Mas, diz a elas que eu sou juiz, assim, simplesmente, era desconcertante. Era, enfim, tolo demais para ser dito.

Perguntei se ele tinha traduzido para as turistas a identificação juizal do colega. Claro que não e fiz um favor para ele não dizendo. Não é que chegasse a ser propriamente ridículo – disse ele – mas era absolutamente despropositado, sem sentido. Imagine – continuou – eu estou conversando com três meninas, querendo chamar para uma festa e de repente eu digo olha, o fulano aqui ao lado tá dizendo que é juiz. Iam ficar com uma cara de e daí e iam pensar que éramos loucos ou imbecis.

Depois dessa estória fiquei mais certo de que o hermetismo é uma força psico-social muito intensa. É necessário ser muito vigilante consigo próprio para não sair afirmando suas circunstâncias próprias, como maneira de achar-se seguro e tentar destacar-se. O juiz do episódio compostelano, por exemplo, era tão hermético e limitado intelectualmente que não lhe passou pela cabeça que a circunstância do cargo que exerce é totalmente irrelevante na enorme maioria das situações que viveria em Espanha.

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